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06 jan 2020

Agricultura orgãnica, uma questão de ComCiência

Salvaguardar a sociedade do charlatanismo e da pseudociência é uma atividade meritória. Mas para proteger a ciência, é preciso ser fiel aos seus métodos.

O fenômeno das fake news é um exemplo alarmante de como este novo recurso tecnológico, a internet, pode impactar a sociedade. Neste ambiente, a desinformação que venha de alguma forma ratificada por uma aura científica é ainda mais nociva.

Neste cenário mecanismos de vigilância que visem reduzir as desinformações, para neutralizar seus efeitos deletérios, são mais que bem-vindos.

O meio acadêmico, calejado há décadas pelo risco de informações desonestas, tem seu próprio protocolo para evitar os danos causados por comunicações fraudulentas.

Os periódicos científicos submetem todos os artigos a uma revisão de pares (cientistas especializados no tema e que analisam material, métodos e conclusões).

Somente após aprovação destes o trabalho pode ser publicado. Ainda assim, mesmo publicações rigorosas como o The Lancet eventualmente deixam passar informações equivocadas e que podem causar grandes danos. Nestes casos a própria publicação vêm à público se retratar.

A denominada pseudociência, conjunto de crenças ou teorias que se julgam científicas, mas não seguem os rigorosos métodos científicos, conta também com vigilantes, muitos com formação acadêmica, que se dedicam em combatê-la.

A bióloga Natalia Pasternak, presidente do Instituto Questão de Ciência que tem se esforçado para reproduzir esta atividade no Brasil.

Sua instituição tem como missão apontar e corrigir a falsificação e a distorção do conhecimento científico na arena pública, promover a educação científica e apoiar o uso de evidências na formulação de políticas públicas. Em artigo seu recente, “O mito da superioridade dos orgânicos“, a biologa colocou sua lupa sobre sobre a denominada agricultura orgânica.

Ao abrir sua análise a matéria usa a definição de produção agropecuária orgânica lavrada pela Lei 10.831/2003. A definição legal da atividade é propositadamente difusa, uma vez que quer dar guarida à inúmeros sistemas de produção agropecuária que se abrigam debaixo dos princípios de sustentabilidade; mas sob o ponto de vista da análise científica que requer o cotejamento de materiais e métodos ela é pouco elucidativa. O que talvez tenha levado a autora aos inúmeros equívocos em sua matéria sob o tema.

De início ao discorrer sobre os perigos dos uso do sulfato de cobre na agricultura orgânica, o artigo omite a informação de que essa substância também se faz presente na atividade agropecuária convencional. Fonte barata de cobre, micronutriente essencial tanto em plantas como animais, possui vários usos agrícolas, sendo componente de fertilizantes, rações, medicamentos veterinários. E até de fármacos humanos. Nada que indique a propalada toxicidade elevada deste sal. E que pelo visto, não vai ser evitando produtos orgânicos que vamos nos livrar dele. No entanto, a conclusão da matéria é categórica:

Assim, já vemos que os orgânicos podem conter pesticidas mais tóxicos e prejudiciais ao meio-ambiente do que os tradicionais.

Cientificamente, não faz sentido afirmar que um produto é mais tóxico e prejudicial se não é feita uma análise comparativa; e sequer mencionar qual fungicida, usado pela agricultura convencional seria mais seguro e eficiente. A literatura científica aponta que fungicidas usados nos sistemas convencionais não são seguros.

A partir daí o artigo passa a questionar a tese de ser o alimento orgânico é mais saúdavel. Foi infeliz ao escolher o estudo para sustentar suas asserções. Paradoxalmente, a citada meta-análise citada de Smith-Spangler et al. (2012) contraria a tese da autora quando apresenta suas conclusões já no sumário. Senão vejamos:

Todas as estimativas de diferenças nos níveis de nutrientes e contaminantes nos alimentos foram altamente heterogêneas, exceto a estimativa de fósforo; os níveis de fósforo foram significativamente maiores do que nos produtos convencionais, embora essa diferença não seja clinicamente significativa.

O risco de contaminação com resíduos de pesticidas detectáveis foi menor entre os produtos orgânicos do que os convencionais (diferença de risco, 30% [IC, -37% a -23%]), mas as diferenças no risco de exceder os limites máximos permitidos eram pequenas.

O risco de contaminação por Escherichia coli não diferiu entre os produtos orgânicos e os convencionais. A contaminação bacteriana de frango e porco no varejo era comum, mas não relacionada ao método de cultivo. No entanto, o risco de isolar bactérias resistentes a 3 ou mais antibióticos foi maior no convencional do que no frango e porco orgânicos (diferença de risco, 33% [IC, 21% a 45%]).

Conclusão: A literatura publicada carece de fortes evidências de que os alimentos orgânicos sejam significativamente mais nutritivos que os convencionais. O consumo de alimentos orgânicos pode reduzir a exposição a resíduos de pesticidas e bactérias resistentes a antibióticos.

De onde inferir que o sistema orgânico não trouxe benefícios à saúde? E não apenas com o menor risco de bactérias resistentes, como admite a autora, mas na menor exposição de pesticidas, e ainda um maior aporte de fósforo na dieta.

Recorre ainda neste item à uma página da organização PETA, uma inusitada fonte para comunicações científicas, que sugere que o não uso de antibióticos prejudica a terapia de vacas com mastite, causando sofrimento à elas.

Com isto a autora leva o público à deduzir que mastites só podem ser tratadas com antibióticos, e que outras terapêuticas assim como medidas profiláticas e de manejo, adotadas na realidade em qualquer sistema de produção, não evitassem o problema.

O modelo orgânico não permite o uso protocolar de antibióticos, como em rações por exemplo, mas admite, em casos extremos que o animal seja tratado e isolado após usos destes medicamentos.

Ao alegar a que o uso de esterco na agricultura orgânica aumenta o risco de contaminação, de novo omite que nem sistemas de cultivo hidropônico, isto é, sem esterco algum, estão livres de contaminantes, inclusive de cepas letais da E.coli.

Aliás, estudos feitos dentro da instituição à qual a autora é ligada demonstram que a crença de que a verdura orgânica é mais contaminada por patógenos que a proveniente de sistemas convencionais é inconsistente. As normas dos orgânicos impõem um tempo de compostagem superior à 120 dias antes da aplicação do esterco, minimizando os riscos de um surto patogênico.

Ato contínuo o texto profere:

O terceiro argumento para o uso de orgânicos seria de que são melhores para o ambiente. Isso também é falso. Como a modalidade proíbe defensivos sintéticos e produtos geneticamente modificados, o rendimento – unidades de produto por unidade de área – é menor.

Agricultura orgânica requer mais terra, mais água e mais intervenções mecânicas para manejo de pragas, como aragem da terra para retirar ervas daninhas, por exemplo. Isso aumenta o uso de combustível fóssil, contribuindo para a emissão de gases de efeito estufa. A aragem também prejudica a microbiota do solo, além de matar insetos e pequenos animais.

Parte do artigo publicado no site Revista Questão de Ciência, que faz parte do IQC Instituto Questão de Ciência.

Cientificamente falando, quais investigações subsidiam esta afirmação?

A agricultura industrial dispensa intervenções mecânicas, aragens, usa menos combustível fóssil?

Sistemas orgânicos como os de agrofloresta, permacultura entre outros se encaixam na afirmação acima?

Esta bateria de suposições aleatórias não são bom exemplo de rigor científico. E o uso de fertilizantes químicos da agricultura industrial não entra no quadro comparativo?

Para sustentar sua opinião apenas dois estudos são citados. O bom debate seria a inclusão de outras pesquisas que não descartam o sistema orgânico como base da sustentação alimentar do planeta. Uma boa referência no tema vem da Revista Nature, de autoria de Verena Seufert et al.,(2012) que traz em sua conclusão:

Comentário: A bióloga Natália Pasternak, presidente do Instituto Questão de Ciência, recentemente publicou um artigo, “O mito da superioridade dos orgânicos” que, como explicita o título, põe em xeque as vantagens da agricultura orgânica frente à agricultura convencional.

O Instituto presidido pela autora tem como missão apontar e corrigir a falsificação e a distorção do conhecimento científico na arena pública, promover a educação científica e apoiar o uso de evidências na formulação de políticas públicas.

No entanto, o referido artigo convenientemente indica apenas as referências que corroboram a hipótese da autora, sem demonstrar a equanimidade requerida a uma boa análise metodológica. No presente artigo, pretendemos levantar algumas questões que foram negligenciadas.

A agricultura orgânica – um sistema destinado a produzir alimentos com danos mínimos aos ecossistemas, animais ou seres humanos – é frequentemente proposta como solução. No entanto, os críticos argumentam que a agricultura orgânica pode ter rendimentos mais baixos e, portanto, precisaria de mais terra para produzir a mesma quantidade de alimento que as fazendas convencionais, resultando em desmatamento e perda de biodiversidade mais disseminados e, portanto, minando os benefícios ambientais das práticas orgânicas.

Aqui, usamos uma metanálise abrangente para examinar o desempenho relativo do rendimento dos sistemas agrícolas orgânicos e convencionais em todo o mundo. Nossa análise dos dados disponíveis mostra que, em geral, os rendimentos orgânicos são tipicamente inferiores aos rendimentos convencionais.

Mas essas diferenças de rendimento são altamente contextuais, dependendo das características do sistema e do local, e variam de 5% a mais de rendimentos orgânicos (leguminosas alimentadas pela chuva e perenes em solos fracos ácidos e alcalinos fracos), 13% a mais baixos (quando as melhores práticas orgânicas são utilizados), com rendimentos 34% mais baixos (quando os sistemas convencional e orgânico são mais comparáveis).

Sob certas condições – isto é, com boas práticas de manejo, tipos específicos de culturas e condições de cultivo – os sistemas orgânicos podem, assim, quase igualar os rendimentos convencionais, enquanto em outros atualmente não podem.

Para estabelecer a agricultura orgânica como uma ferramenta importante na produção sustentável de alimentos, os fatores que limitam a produção orgânica precisam ser mais bem compreendidos, juntamente com avaliações dos muitos benefícios sociais, ambientais e econômicos dos sistemas de agricultura orgânica.

Outros referências na mesma direção, seriam a do Professor John Reganold da Washington State University e também Catherine Badgley e Ivette Perfeccto.

A crítica feita à produtividade da agricultura orgânica levantada pela autora se baseia no recente modelo de simulação sueco publicado pela Revista Nature.

Os autores entendem que o rendimento do modelo orgânico aumentaria a pressão por mais área agricultável, isto é mais desmatamento. A limitação central destas simulações é que se apoiam na coleta de dados disponíveis aos autores no momento em que elaboram os algoritmos.

Além do mais, a maior parte destes estudos são baseado em commodities, seus atuais rendimentos e fundamentalmente em monoculturas.

A agricultura industrial, estruturada em cadeias produtivas e mecanização em escala, se orienta na produção de commodities em propriedades especializadas em um ou no máximo dois cultivos.

Mas se daqui 40 anos nossa base alimentar não for mais sustentada pelos cerais que hoje dominam o mercado de commodities e sim por novas variedades mais produtivas e mais resistentes de plantas?

Os autores se basearam em uso do solo, mas se novas tecnologias incorporarem produção alimentar nas águas e mesmo em áreas desérticas? Simulações tendem a confundir a fotografia com o filme.

Ainda assim mesmo modelos atuais já podem indicar uma via. Inúmeros sistemas orgânicos, particularmente os asiáticos, criam complexos sistemas integrando espécies vegetais e animais, onde o rendimento unitário de cada cultura é inferior por unidade de área, mas em termos de produção geral, superam as monoculturas.

Alguns estudos mostram que estas integrações podem inclusive ser mais eficientes em termos de uso de energia e retornos econômicos. Mesmo na agricultura industrial modelos brasileiros de integração indicam caminhos de melhor uso do solo reduzindo pressões sobre reservas ambientais. Existem indícios de que a previsão malthusiana dos autores suecos pode não se consolidar.

Autores críticos da eficiência da agricultura orgânica partem do pressuposto, que ao contrário do que se observou ao longo do tempo com a agricultura convencional, a tecnologia da agricultura orgânica ficara estagnada nos atuais níveis produtivos. A conjetura não é despropositada uma vez que o modelo de financiamento de pesquisa e desenvolvimento de inovações orgânicas é proveniente de escassos recursos públicos, que competem com o intenso patrocínio do setor privado de grandes empresas controladoras do mercado de insumos, sementes e defensivos. Sendo uma atividade que aloca recursos em plano regional, os governos tendem a desconsiderar o método orgânico, já que gera menos tributos e impostos que gigantescos conglomerados agroindustriais com ramificações por todo território de um país. Daí vem distorção ainda maior, que via legislação e subvenções, adultera a igualdade de concorrência criando um viés favorável ao modelo agroindustrial. Mas politicas socioeconômicas não são necessariamente ciência. Um maior aporte de recursos para pesquisa e apoio institucional colocariam o modelo de agricultura sustentável no páreo.

A seguir a matéria segue com a crítica da a não adoção das biotecnologias, como a introdução de genes exógenos (transgenia) ou edição genética (CRISPR). O texto não aborda a soja transgênica, apropriadamente denominada roundup ready soyabean (apta a suportar o herbicida roundup-glifosato) uma planta modificada para suportar níveis mais elevados do herbicida glifosato, e reduzir o número de operações com o defensivo.

Tanto a semente como o herbicida eram produzidos pela mesma empresa, na ocasião Monsanto, atualmente Bayer. Venhamos que não se justifica um produtor orgânico cultivar uma planta que resista à um agrotóxico.

A soja roundup ready ilustra uma relação espúria entre semente e insumo que independentemente da orientação tecnológica do produtor impõe prudência. Produtos de altíssima produtividade requerem proporcional inversão de capital.

Sementes com altos royalties demandam pacotes tecnológicos caríssimos deixam produtores reféns de agentes financiadores e vulnerabilizam ainda mais a atividade agrícola.

As chamadas sementes melhoradas, por qualquer técnica, ao enfatizarem a produção de grãos (a chamada estratégia r) tem menor resistência às restrições nutricionais, hídricas e ataques de pragas em relação aos cultivares chamados crioulos, que são plantas geneticamente mais adaptadas às variações ambientais (chamada estratégia k).

O produtor orgânico busca um organismo melhor adaptado ao ambiente de cultura. Prefere portanto a produção local de sementes, adaptadas à sua propriedade e condições de cultivo.

A seleção da variedade a ser cultivada é fruto de sua experiência e não de apelos comerciais. Sua aversão ao transgênico é técnica de um lado, e atento ao princípio da precaução do outro. Os efeitos imprevisíveis da tecnologia do transgênico aparecem até no artigo chinês mencionado pela matéria do IQC:

Segundo, a expansão em larga escala do algodão Bt na China desempenhou um papel crítico na regulação da lagarta do algodão. No entanto, a redução associada no uso de inseticida contra a lagarta do algodão também teve efeitos em outras pragas do algodão, como o pulgão do algodão e os insetos miridae. Essa ligação entre diferentes espécies de pragas e os efeitos indesejados das práticas de manejo precisam ser levados em consideração ao elaborar políticas agrícolas e métodos de manejo de insetos.

Pesquisas apontam a tecnologia transgênica do algodão Bt com o crescimento da população de pragas agrícolas. Trocando em miúdos, reduzir a aplicação de inseticidas contra a lagarta não impediu que outras pragas danificassem a lavoura, requerendo novamente um aumento nos uso de defensivos. O mesmo artigo adverte sobre o declinio da efetividade do algodão transgênico no decorrer dos anos.

milho Bt apresentou problemas em lavouras brasileiras. No Mato Grosso produtores tiveram que recorrer ao protocolo de milhos convencionais com o uso de inseticidas para salvar a lavoura Bt. Outro problema observado pela EMBRAPA foi verificar que a proteína Bt pode ser transferida à próxima geração de lagartas, gerando resistência à toxina transgênica em sua descendência.

A alardeada panacéia dos transgênicos parece não durar mais do que uma década. Entretanto é tempo suficiente para que as empresas cobrem royalties antes que suas patentes caduquem. O desenvolvimento de resistência natural de pragas (processo previsto por Alexander Flemming descobridor da penicilina) criam um processo natural de obsolescência programada destas tecnologias. Em suma é uma tecnologia mais eficiente sob o ponto de vista comercial do que científico.

O próprio artigo belga citado pela autora traz em suas conclusões finais:

Quando a EFSA (European Food Safety Authority) emitir um parecer positivo os formuladores de políticas européias podem aprovar uma cultura GM para cultivo.

Além da avaliação de risco realizada anteriormente à aprovação para o cultivo, o produto deve continuar a ser monitorado mesmo depois de aprovado, principalmente para verificar se o cultivar é usado da forma pretendida, para verificar a expectativa e resultados da cultura ou para identificar se existem efeitos colaterais inesperados.

Para uma cultura tolerante à herbicidas e resistente a insetos, por exemplo, é necessário monitorar o potencial desenvolvimento de ervas daninhas e insetos resistentes.

E termina:

Assim como as culturas com características específicas, como resistentes a insetos, tolerantes à seca e resistentes a vírus todas têm efeitos diretos e indiretos no meio ambiente. Esses efeitos podem ser positivos ou negativo, mas na maioria dos casos, eles terão elementos positivos e negativos.

É, portanto crucial conduzir a avaliação de riscos caso a caso e avaliar as condições ambientais do impacto deste cultivo para a aprovação com base em uma análise de custo / benefício.

Em outras palavras: em comparação com as vantagens de uma determinada variedade, qual impacto é o aceitável ou inaceitável no meio ambiente?

O escopo das avaliações de risco ambiental e regulamentos rigorosos garantem que as únicas culturas GM trazidas para o mercado são aquelas que não têm maior impacto negativo no ambiente que suas contrapartes não-GM.

Em termos de ciência, não existe carta branca para a transgenia. Com relação a técnica da edição de genes CRISPR, a matéria lembra que as entidades regulamentadoras cerceiam a utilização destas sementes editadas.

De novo, primeiro por se tratar de atender os critérios da planta orgânica, segundo pelo principio da precaução. Todavia muitas vozes dentro da comunidade orgânica americana, por exemplo, não vem necessidade de descartar esta ferramenta por se tratar de um processo que ocorre muitas vezes de forma natural, via mutação.

A prudência é uma ferramenta essencial à boa ciência. Existem inúmeros riscos ao se transmitir a idéia de infalibilidade de um determinada tecnologia à um público sem familiaridade com o tema.

Não se deve a priori assumir a defesa dos pacotes tecnológicos oriundos da agroindústria, por entender que o conhecimento científico mobilizado para o seu desenvolvimento é suficiente para carimbar sua segurança.

Não é incomum que a necessidade que as empresas, até por pressão de seus acionistas, têm de obter retorno acelerado de inversões significativas de capital em pesquisa e desenvolvimento de defensivos e insumos.

E que as regras de teste de empresas comerciais não são monitoradas pelas autoridades sanitárias, não se obrigando a seguir controle rigoroso imposto pela legislação.

Inúmeros casos pretéritos ilustram efeitos nocivos de produtos comerciais lançados açodadamente no mercado. A efetividade técnica de um determinado agrotóxico, por exemplo, no controle de uma praga específica não o isenta de ser nocivo à outras espécies não alvo, inclusive o ser humano.

A boa análise científica requer a apresentação de teses contraditórias à aquela que se postula, e a tentativa de demonstrar suas lacunas, seja nos métodos, seja nas conclusões, e fugir de uma assertividade unilateral que possa comprometer o compartilhamento de suas conclusões.

E ainda apresentar a interpretação integral das investigações que sustentam sua opinião. O mito da superioridades da agricultura orgânica não seguiu estas normas.

O artigo em tela parte de uma tese, viciada, que a proficiência técnico-cientifica faz convergir os interesses das empresas privadas com aqueles da sociedade.

A história tem demonstrado que inúmeras vezes objetivos comerciais se contrapõem aos da sociedade. Cabe portanto ao cientista, particularmente à aquele ligado à órgãos públicos, uma postura equidistante e cautelosa diante de inovações tecnológicas em geral.

A agricultura orgânica em linhas gerais, nada mais é do que do que a lavoura desenvolvida empiricamente, anterior ao advento da chamada Era Química. São inúmeras praticas consolidadas, em várias partes do mundo, pela experiência colhida durante séculos.

É óbvio que o que deve estar sob escrutínio da academia, seja por sua qualidade nutricional, segurança ambiental, saúde pública e impacto socioeconômico é a agricultura baseada em agroquímicos.

As técnicas sustentáveis de agricultura precisam produzir mais e alimentar a população com um custo democrático.

Para isto a academia deve injetar recursos na pesquisa que desenvolva tecnologias dentro dos postulados básicos que orientam o método orgânico: eliminar ao máximo externalidades para dar sustentabilidade ao sistema, garantir a saúde dos produtores rurais e consumidores, estimular mercados locais, garantir a qualidade do meio ambiente e responder pela segurança alimentar do país.

Aliás esta não seria bússola para a boa ciência, ao menos para aquela sustentada pelos cofres públicos?

A pergunta que fica ao se ler o artigo é se cabe a pecha de pseudocientistas a defensores do modelo sustentável do modelo orgânico.

Hoje no Brasil, inclusive na instituição onde a autora está associada, vários pesquisadores desenvolveram pesquisas que contradizem sua bandeira. A preocupação da maioria deles é com o alto índice de acidentes, muitos letais, que a agricultura industrial provoca entre aqueles que operam com ela, trabalhadores e produtores.

De quebra ao sugerir o abandono da certificação, como orientação de política pública, pode estar penalizando aqueles que tentam manter esta alternativa viva dentro do país, tanto produtores como consumidores.

Os primeiros por não terem seus esforços em manter sistemas de produção compatíveis com a preservação de recursos naturais e da saúde humana devidamente reconhecidos.

E no caso dos segundos ainda é mais grave. O artigo rompe o limite da ciência e entra na área do direito. Do direito à informação daquela parcela da sociedade inconformada com a letargia do estado, seja por negligência ou conivência, de proporcionar alimentos e produtos agropecuários produzidos dentro de condições que ela entende como fundamentais.

Assim como no produto transgênico, devemos ter o direito de saber o que consumimos. O consumidor tem o direito de optar por consumir organosfosforados, ou mesmo alimentos geneticamente modificados, mas outros devem ter o direito de evita-los, se assim entenderem melhor.

Se é saudável para a sociedade termos a postura vigilante sobre a pseudociência como advoga o IQC, também temos que ter o cuidado de não criarmos um index inquisitorial sob o pretexto de defendermos a ciência.

Esta, ao contrário das religiões, foge dos dogmas. As heresias são suas bênçãos.

Ruy Alfredo de Bastos Freire Filho

Zootecnista (Unesp-Jaboticabal), especialista em genética e nutrição animal (Escola Superior de Agricultura da Noruega), mestre em aquicultura (Universidade de Kagoshima, Japão) doutor em Nutrição Animal (Unesp-Botucatu).

Fonte: http://aao.org.br/aao/agricultura-organica-uma-questao-de-comciencia.php

Foto: Google Imagens